12 de Novembro de 2025

Igreja deve ser a voz dos que não têm voz, diz Frei Betto

Sexta-feira, 11 de Outubro de 2013 Igreja deve ser a voz dos que não têm voz, diz Frei Betto

Os esforços do papa Francisco em reformar as estruturas internas da Igreja Católica, tornando-a mais próxima das reais necessidades das pessoas, vêm sendo acompanhados com interesse e esperança pelo escritor e religioso Frei Betto. Conhecido por sua longa trajetória de defesa dos direitos humanos e de mobilização social, Frei Betto mostra-se otimista em relação à postura pontífice, não apenas em seu objetivo de tornar o papado “menos monárquico e pomposo”, como também em seu apelo por uma sociedade mais fraterna e menos voltada para os valores do capitalismo. "O papel da Igreja é ser a voz dos que não têm voz", ressalta.

Apesar de esperançoso em relação ao papado de Francisco, Frei Betto não demonstra o mesmo sentimento em relação à sociedade. O religioso afirma ter um sentimento ambíguo, quando o assunto é o crescimento dos sentimentos de individualismo e consumismo entre as pessoas e os rumos da política atual, sobretudo a brasileira. “Só haverá paz, como dizia o profeta Isaías sete séculos antes de Cristo, como fruto da justiça, e não como mero equilíbrio de forças”, ressalta.

Em entrevista exclusiva ao Dom Total, Frei Betto fala dos desafios de Francisco, Igreja Católica, reforma política brasileira, capitalismo e, acima de tudo, fé e esperança:

1 - Em suas recentes homilias, o papa Francisco vem destacando a necessidade de uma mudança de postura na sociedade. O pontífice vem criticando sistematicamente o consumismo e o excesso de apego a valores como o dinheiro e o sucesso material. Ao mesmo tempo, ele clama pelo fortalecimento da solidariedade e do amor entre as pessoas. Como o senhor vê a sociedade atual? O senhor tem uma visão otimista ou pessimista para os próximos anos?

FREI BETTO: Tenho uma visão ambígua. De um lado, pessimista, quando vejo o neoliberalismo preferindo formar consumistas que cidadãos, incutindo nas novas gerações que o TER é mais importante que SER, colocando os interesses do capital acima dos direitos humanos. De outro, sou otimista quando vejo os jovens protestarem, o papa Francisco iniciar a reforma da Igreja Católica, a América Latina com muitos países governados por lideranças progressistas, e heróis como (Julian) Assange e (Edward) Snowden denunciando as mazelas da tirania capitalista. É preciso, cada vez mais, organizar a esperança, como proponho em meu livro "Gosto de uva" (Editora Garamond).

2 - Na sua visão, quais são as mudanças necessárias pelas quais a sociedade precisa passar, para que ela se torne mais justa e solidária? Na sua opinião, qual seria o papel da Igreja e do Poder Público, nesse sentido?

FB: Muitas mudanças precisam ser urgentemente feitas, em nível internacional: fechar os paraísos fiscais; proibir a produção de armas químicas; renovar o Conselho de Segurança da ONU; punir severamente governos, empresas e instituições que violam direitos humanos e a preservação do meio ambiente etc. No caso do Brasil, não creio em futuro melhor para o nosso povo sem reformas de estruturas, que eu tanto esperava que o PT fizesse, em 10 anos de governo, como prometia em seus primórdios: reformas agrária, tributária, política, entre outros pontos.

O papel da Igreja é ser a voz dos que não têm voz, incutindo na sociedade os valores evangélicos, como justiça e promoção da vida. Já ao Poder Público cabe cortar seus vínculos com a minoria oligárquica, aprimorar o processo democrático, governar em função das reais demandas populares, como manifestadas nos protestos de junho: transporte público, saúde e educação de qualidade; fim do voto secreto; transparência nas contas governamentais; fim das parcerias público-privadas; fim das privatizações; qualificação dos agentes e empreendedores públicos etc. Se privatização fosse sinônimo de melhor desempenho, a Vasp não teria falido, nem a Vale do Rio Doce estaria em decadência.

3 - O senhor crê que há um crescimento do sentimento do coletividade, uma vez que o modelo de produção capitalista tem demostrado limitações ao bem estar material e espiritual das pessoas? Qual a importância desse sentimento, para o bem estar das pessoas?

FB: O capitalismo neoliberal impõe, como paradigma da pós-modernidade, a mercantilização de todas as dimensões da existência. Fala-se muito da falência do socialismo na Europa, mas quase nunca da falência do capitalismo para 4 das 7 bilhões de pessoas que hoje habitam o nosso planeta. Segundo a ONU, 4 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Ora, isso gera revolta, inconformismo e ameaça a paz mundial. Só haverá paz, como dizia o profeta Isaías sete séculos antes de Cristo, como fruto da justiça, e não como mero equilíbrio de forças.

4 - Como o senhor vê a chegada do papa Francisco ao Vaticano? Como o senhor vê as ideias do papa?

FB: Torço e oro muito pelo papa Francisco. Ele veio para reformar a Igreja Católica, como fez Francisco de Assis, de quem tomou o nome. Já iniciou seu trabalho pela reforma do papado, tornando-o mais simples, menos monárquico e pomposo, mais próximo da gente comum. Promete, a partir de agora, reformar a Cúria Romana, infelizmente contaminada por uma verdadeira máfia que nada tem a ver com os valores do Evangelho. Espero em Deus que o papa Francisco também ponha fim ao celibato obrigatório, permita a ordenação sacerdotal de mulheres, aprove a volta dos padres casados aos altares, e abra o debate, no interior da Igreja, sobre a moral sexual.

fonte Dom Total